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09/04/2017

Autonomia da mulher na hora do parto

Por José Hiran da Silva Gallo – Diretor Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina

O princípio da autonomia é um dos pilares da Bioética contemporânea. Sua relevância atual é indiscutível, pois se relaciona diretamente com a autodeterminação dos indivíduos. No caso da medicina, dos pacientes. Assim, refere-se ao poder de decidir sobre si mesmo, como expressão da liberdade do ser humano que deve ser resguardada.

Tanto na teoria, quanto na prática autonomia não é questão de gênero. Não se trata de direito ou benefício exclusivo de homens ou mulheres, que podem exercê-la em diferentes circunstâncias de vida, inclusive durante etapas de processos terapêuticos, incluindo-se a adoção – ou não – de determinadas técnicas ou procedimentos.

Assim, cabe aos médicos oferecer ao seu paciente (homem ou mulher) as informações técnicas necessárias para orientar as decisões que tomará, sem o emprego de influência ou manipulação.

No período contemporâneo, isso implica também em dar voz ativa a homens e mulheres no momento em que passam a integrar uma relação médico-paciente. Esse empoderamento decorre de inúmeros fatores que interagem para formar uma nova realidade, cada vez mais distante da época na qual predominava uma postura paternalista e autoritária de médicos.

Foram mudanças tão profundas que, em 2010, o novo Código de Ética Médica, que já se prepara para enfrentar uma atualização, selou esta forma desejada de manifestação do binômio médico-paciente no Brasil. Trata-se da confirmação da importância da autonomia do paciente como princípio na prática da medicina.

Em fevereiro de 2016, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) demonstra que marcha contra a maré no que se refere ao respeito à autonomia. A prova está na sua Resolução Normativa (RN) nº 398, editada sob a desculpa de incentivar o parto normal no País. Para que essa “boa intenção” fosse viabilizada, editou-se uma regra mal formulada e que, em resumo, agredia brutalmente o princípio da autonomia da mulher, enquanto paciente.

Os parâmetros determinados pela RN nº 398 tornaram a escolha pelo parto cesáreo praticamente impossível pelas gestantes, colocando contra a parede médicos e pacientes, penalizando-os diante da ANS, cujo objetivo real era bem menos nobre do que o anunciado.

Na verdade, tudo foi feito às pressas e sem diálogo com entidades profissionais e de defesa dos direitos das mulheres, para livrar a Agência de penalidades por descumprimento de decisão judicial que exigia dela (autarquia) medidas para coibir a incidência de partos cesáreos nos planos de saúde.

Houve necessidade do Conselho Federal de Medicina (CFM), com o apoio de sua Câmara de Ginecologia e Obstetrícia, aprovar a Resolução nº 2.144/2016 para resgatar a autonomia do médico-paciente, no caso da mulher-gestante, a qual havia sido negligenciada pela ANS.

Desse modo, o texto estabeleceu que é ético o médico atender a vontade da gestante de realizar parto cesariano, garantida a autonomia do profissional, da paciente e a segurança do binômio materno fetal.

Essa norma do CFM definiu critérios para cesariana a pedido da paciente no Brasil, sendo que, nas situações de risco habitual e para garantir a segurança do feto, somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana de gestação.

Tal medida de grande repercussão lançou luz sobre as trevas criadas pela ANS, em especial por resgatar os direitos da paciente e da mulher, até então sob ameaça.

Em lugar do autoritarismo da Agência de Saúde Suplementar, o CFM seguiu o caminho do consenso para enfrentar o problema das cesáreas desnecessárias no Brasil. Pela regra, tudo começa com muito diálogo, logo nas primeiras consultas de pré-natal, quando o médico deve discutir exaustivamente com a gestante sobre os benefícios e riscos do parto vaginal e do parto cirúrgico, ressaltando-se seu direito de escolha entre um e outro.

O caminho adotado pelo CFM dialoga, assim, com a imagem esperada do Brasil, visto globalmente como sede de uma democracia moderna, no qual a cidadania tem se consolidado e a liberdade de autodeterminação torna-se cada vez mais preponderante.

Impasses dessa envergadura comprovam a vocação do Conselho Federal de Medicina em cumprir suas responsabilidades e permanecer em alerta, em defesa da profissão, do médico, da sociedade e do paciente, sempre de forma isenta e sem interesses de qualquer outra natureza.

É graças a esse empenho da instituição que o princípio da autonomia da mulher na hora do parto continua a ser respeitado no Brasil, apesar das agressões vindas de setores que deveriam legislar para todos e não para si próprio. Afinal, fica a lição de casa: não se muda cultura e comportamento de um povo com o peso de uma caneta.

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